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Trecho. © Reimpressão autorizada. Todos os direitos reservados
E viveram felizes para sempre. É assim que esta história termina, ou, pelo menos, era a minha esperança. Mas não vamos pôr o carro na frente dos bois. Deixe que eu primeiro me apresente: Monalisa Machado, a protagonista ― porque já não sou tão jovem para ser chamada de mocinha ―, muito prazer.
Foi no dia 4 de junho de 1993, às 14h de um dia ensolarado de fim de primavera, que tal personagem nasceu. Brincadeira! Não vou bancar a narradora que relata os fatos tão do começo assim. O que interessa para esta história são os acontecimentos da véspera desse dia, mas trinta anos depois. Mais precisamente, no banco de trás de um Toyota Auris.
― Obrigada, obrigada, obrigada! ― Carol dava beijinhos na minha bochecha. Os dedos longos, ainda melados de Toblerone do Free Shop, seguravam o meu rosto com força. ― Olha só para esse lugar! ― e me largou, voltando-se para a janela do carro em movimento. ― Aiiiiiii! Tô tão feliz, tão feliz!
O sorriso ia de orelha a orelha e, com o dia lindo colaborando, acabei sendo contagiada. Não havia uma única nuvem no céu azul, e a cidade do Porto nos saudava com muitas cores em suas construções, nas quais antigo e novo se fundiam em grande beleza.
― Eu nunca vou agradecer o suficiente por você me trazer aqui, Lisa.
― E não precisa ― respondi. ― Estou feliz de ter você comigo.
― Esses vão ser os melhores dias da nossa vida! ― ela prometeu com o rosto colado ao vidro.
O motorista, mais uma vez, nos encarou pelo retrovisor como se fôssemos duas loucas. Na verdade, ele nos olhava com estranheza desde a saída do aeroporto. Não o condeno, estávamos mesmo mais eufóricas que o normal. Ele havia parado o carro para que uma senhora atravessasse a rua, próximo à comprida Praça da Liberdade, em direção à estação dos comboios São Bento. O apart-hotel, reservado poucos dias antes, ficava mais à frente, perto do Cais da Ribeira.
― Ah, olha ali o McDonald’s que eu vi no Instagram! ― Carol apontou. ― Podemos parar aqui? Quero muito conhecer e estou com tanta fome!
― Sua primeira refeição na Europa não pode ser fast-food, Carolina.
― Ah, por favor, amiga, eu tô doida pra conhecer esse lugar ― ela completou e, abrindo a porta, desceu do carro.
Eu me desculpei com o motorista antes de sair atrás dela. Pegamos as malas no bagageiro enquanto eu murmurava baixinho, ouvindo algumas buzinas e desaforos dos carros que ficaram bloqueados pela nossa súbita mudança de planos.
Atravessamos na direção do restaurante. As mesas do lado de fora estavam todas lotadas, e a maioria das pessoas ali pareciam ser turistas como nós. Passamos por entre algumas delas com nossas malas trepidando nas pedras da calçada até alcançarmos a porta.
Carolina sacou o celular do bolso do jeans e fotografou a fachada imponente do restaurante instalado no que um dia fora o Café Imperial, uma construção dos anos 1930. Agora, sob a grande estátua de um pássaro cuja espécie eu não consegui identificar, havia o nome da rede de fast-food mais famosa do mundo em letras douradas, acima da porta de entrada, onde duas pilastras sustentavam um grande arco de pedras e alguns vitrais.
― Não é à toa que chamam de “o McDonald’s mais bonito do mundo” ― ela pontuou enquanto conferia a foto.
― Você ainda nem viu por dentro.
― Mas olha só essa entrada! ― E fez mais algumas fotos.
Um grupo de garotas francesas passou por nós, e a loira e mais alta delas esbarrou em meu ombro. Com meu francês enferrujado, compreendi parte do comentário feito para as amigas sobre as duas idiotas que bloqueavam a passagem.
Olhei para nossas bagagens no meio do caminho. Éramos mesmo duas idiotas bloqueando a passagem, com duas malas cada ― uma de porão e outra de mão ― e, para piorar, as minhas ainda tinham estampas de vaquinha. Senti o rosto esquentar.
Para que Carolina me fez descer do carro?
Faltava tão pouquinho para chegarmos ao apartamento, mas, com quatro malas e com as pedras das calçadas, o caminho seria longo. Ainda assim, me esqueci disso quando entramos no estabelecimento. A beleza interior do local me transportou para uma cena de novela de época das seis da tarde, com vitrais coloridos, lustres de cristal e espelhos por toda parte. Era uma bela distração que me fez esquecer também meu estado emocional nas últimas semanas. Uma pena que todo esse meu bom humor foi arruinado pelos fatos que ocorreram em seguida.