Prefácio
Prefácio à edição em português
No papel de editor da Christianity Today, a principal revista
evangélica americana, Mark Galli testemunhou em primeira
mão todo o noticiário cristão e a consolidação de novas ten-
dências na igreja dos Estados Unidos neste início de século.
Passaram por sua mão notícias de milagres e escândalos, re-
latos de sacrifícios extraordinários mas também de corrupção
inacreditável, histórias inspiradoras bem como denúncias de
fazer ferver o sangue. Percebeu que diversas alas da igreja co-
meçavam a expor e defender suas visões particulares da inter-
pretação bíblica, da política e da teologia com novo fervor e
ímpetoexcludente.Asredessociaisserviramparaidentificar
e enrijecer opiniões, fortalecer polos e dividir comunidades.
Galli assistiu de perto à crise que se instalava na igreja
evangélica, uma crise de identidade e de propósito, do tipo
que se cria quando deixamos Deus de lado em favor daquilo
que habita as margens da fé, os projetos da igreja e as nossas
preferências doutrinárias, políticas, culturais e comportamen-
tais,definidasemreaçãoàquiloquevemsendoimpostocada
vez mais agressivamente pela sociedade.
O que ele viu o deixou atordoado. Não só se desiludiu com
boa parte da igreja como também se viu afundando numa cri-
se pessoal que abafou seu amor a Deus e deixou em seu lugar
um pragmatismo cínico e frio. Quando se deu conta de seu
estadodeespírito,ficouassustadoaoreconhecerqueoquevi-
nha criticando na igreja de seu país havia se instalado também
8 QUANDO FOI QUE COMEÇAMOS A NOS ESQUECER DE DEUS?
em seu coração. Caiu em si, tomou consciência daquilo que
precisava mudar, corrigiu suas rotas ao longo do tempo e con-
seguiusereequilibrarsobagenerosidadedoEspírito.Porfim,
decidiu escrever este livro, que foi lançado nos Estados Uni-
dos em abril de 2020.
Para Galli, a eleição de Donald Trump em 2016, com apoio
de 81% dos evangélicos brancos, serviu para ilustrar uma
nova realidade: pela primeira vez na história, as qualidades
pessoais e morais de um candidato à presidência dos Estados
Unidos já não eram tão importantes quanto seu alinhamento
ideológico aos valores desses polos. O sucesso de Trump entre
os evangélicos mostrou os extremos aos quais a igreja ame-
ricana chegaria para defender sua pauta conservadora. Mas
nem toda a igreja estava disposta a aceitar aquilo que via como
os abusos de Trump na condução do governo. A Christianity
Today, que normalmente não se alinha a polos que dividem a
igreja,seviunaobrigaçãodetomarpartido.Nofinalde2019,
Galli publicou na revista um editorial no qual defendia o im-
peachment de Trump devido àquilo que descreveu como sua
imoralidade grosseira e incompetência ética. Escreveu que o
apoio persistente da igreja evangélica a Trump já prejudicava
a reputação dos evangélicos e a compreensão do mundo sobre
a natureza do evangelho. As reações ao artigo serviram para
ilustrar o abismo entre os polos da igreja; revelaram a crise
que motivou a publicação de Quando foi que começamos a nos
esquecer de Deus?.
Por que nós da editora Mundo Cristão decidimos traduzir
esta obra de Mark Galli para nossos leitores? Nossa missão nos
impele a editar e distribuir os melhores textos de cosmovisão
cristã, e nossa curadoria inclui autores brasileiros além de tex-
tos notáveis de fora do país. Consideramos sempre a utilidade
PREFáCIO à EDIÇãO EM PORTUGUêS 9
das obras para quem vive no Brasil e em outros ambientes
de língua portuguesa. No caso desta obra, avaliamos que a
mesma dinâmica que afeta as igrejas americanas está presente
aqui. No Brasil há também crescente polarização teológica em
torno de ideologias e doutrinas. As divisões políticas entre es-
querda e direita que separam a sociedade começam também
a dividir igrejas. A expressão de opiniões a respeito dessas di-
ferenças,antessobgraumaiordecomedimentoouconfidên-
cia, hoje é escancarada pelos megafones das redes sociais, que
contribuem para dar visibilidade à animosidade. Infelizmen-
te, o ambiente que levou Mark Galli a escrever seu livro para a
igreja de seu país se duplica por aqui. Para o leitor brasileiro,
então, Quando foi que começamos a nos esquecer de Deus? serve de
alerta. Deus já vem sendo esquecido por aqui também.
As soluções para atenuar essa crise nascem — todas elas —
de um ajuste de foco no qual permitimos que Deus seja resta-
belecido ao seu lugar de primazia. Esta obra extraordinária nos
ensina a trocar as banalidades da religião pela centralidade de
Deus em todos os lugares de nossa vida individual e coletiva.
Aprender a enxergar Deus acontece como resultado de nossas
prioridades, rotinas e disciplinas. Esse movimento de volta ao
Criador enfraquece a crise e devolve à igreja sua identidade e
seu propósito.
os edItores