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Trecho. © Reimpressão autorizada. Todos os direitos reservados
Amanda e eu estamos há dez minutos encarando a caixa, sentadas em nossa mesa favorita da padaria ao lado do shopping. O cheiro de café nos rodeia, e as paredes pintadas de um amarelo clarinho refletem a luz do final da tarde que entra pelas janelas brancas de guilhotina.
― E se ela estava tentando se livrar de algo ilegal e deu para você, Vicky? ― Amanda pega a caixa retangular, leva até a altura do rosto e a balança, fazendo soar um barulho de coisa pesada. Um senhor na mesa ao lado para de ler o jornal e me encara.
― Era uma senhorinha! Você a viu! ― levo a mão até a boca e a cubro, sussurrando. ― E, por favor, fale mais baixo.
No canto perto de nós, um homem que segura a mão da namorada nos observa de rabo de olho. Amanda dá de ombros, ignorando meu pedido e a atenção do público.
― Cuidado com estereótipos ― ela larga a caixa na mesa e a empurra na minha direção, mas não diminui o tom de voz. ― Eu assisto àqueles programas de pessoas que levam coisas ilegais aos aeroportos e sempre fico surpresa. Vai… abre logo ― implora com voz de choro.
― Acho melhor jogar fora sem abrir ― pego a caixa e confiro o peso.
― Isso seria pior ainda ― ela se debruça sobre a mesa. ― Imagine só: você, com quarenta anos, banguela, lembrando-se desse dia e se martirizando ― ela projeta o queixo para a frente e faz a imitação barata de uma voz idosa: ― Ah, se eu soubesse o que havia naquela caixa.
― Primeiro ― suspiro ―, eu não vou estar banguela aos quarenta anos de idade, eu cuido muito bem dos meus dentes, obrigada. ― Abro a boca, mostrando dentes alinhados, fruto de um longo tratamento com aparelho odontológico, além de baixo consumo de açúcar e de industrializados. ― Segundo, não deve ser nada, só mais uma dessas lembrancinhas de plástico que acabam poluindo o rio ― olho para a caixa mais uma vez. ― Quer dizer, não será o caso, porque vou mandar para a reciclagem, óbvio.
― Mas como você vai enviar para a reciclagem sem saber o que tem aí dentro? ― ela cruza os braços em uma pose de quem diz “a-há, te peguei”.
― Meninas ― a dona da padaria se aproxima com a bandeja cheia de doces de Natal e duas xícaras de chocolate quente ―, o que vocês tanto admiram nessa caixa de presente?
― A Vicky não quer…
― Não é nada de mais, é só um presente ― olho para Amanda, repreendendo-a com o olhar que só ela conhece.
― Sei… ― a mulher deposita nossos doces na mesa. ― Deve ser um presente de um admirador secreto, e parece ser bem caro ― ela nos fita por um segundo. ― Ah, a adolescência! Que tempo bom. Queria voltar para essa época.
E sai antes que Amanda tenha a chance de retrucar que não é a dona do presente.
― E se ela contar para o Rafael que eu estive aqui, abrindo presentes de admiradores? ― pergunta, preocupada.
― Ah, tenha dó! Ela não vai falar com o Rafael. Aliás, ele já veio aqui alguma vez?
Amanda balança a cabeça em negativa.
― Então pare de se preocupar com coisa à toa, isso é irritante ― dou um gole no meu chocolate quente, mas o gosto parece outro.
Um momento de silêncio se instala em nossa mesa. Amanda também beberica seu chocolate, mas a paciência dela não se estende por muito tempo. Quando dou por mim, preciso me esquivar da caixa que minha amiga está empurrando contra o meu rosto.
― Olha, vamos abrir logo, por favor? Essa coisa toda de não saber o que tem aí tá atrapalhando até o gosto do chocolate quente.
Olho para o embrulho na mão dela.
― Não sei… parece ser caro demais, eu não deveria ter aceitado.
― Agora é tarde. O que vai fazer? Colocar um anúncio no Instagram? Se eu fosse você, já teria aberto e acabado com essa aflição.
― A senhorinha nem me deu a chance de devolver, saiu toda apressada. Se ao menos eu soubesse o nome dela…
― Amiga, se concentre no que você tem agora. Não adianta ficar criando teorias. Qualquer pessoa normal já teria aberto esse presente!
Suspiro e acabo concordando. Pego a caixa com cuidado. A essa altura, não tenho opção mesmo.