Prefácio
Considero uma traição ao texto sagrado o uso da Bíblia exclusivamente
como manual para sucesso profissional. A Bíblia não se presta
a esse papel. Essa mentalidade utilitarista, que invade inclusive
as dimensões sublimes e profundas da espiritualidade, é fruto da
sociedade moderna pragmática e positivista, que acredita que todas
as coisas devem e podem se submeter à lógica do código que
possibilita controle e favorece o sistema de mercado: produção e
consumo, cujo fim maior é o bem-estar de quem pode pagar.
Qualificar Jesus como o maior psicólogo que já existiu, vendedor
eficaz, mestre da formação de equipes, e CEO do ano é um
sacrilégio. Atribuir o êxito de Jesus às técnicas passíveis de replicação
por qualquer pessoa para qualquer propósito em qualquer
lugar implica a desconstrução do próprio evangelho. Jesus possuía
uma natureza peculiar, sua vida atendeu a um propósito singular,
sua lealdade se dirigia aos céus, e sua dinâmica de atuação se sustentava
em um poder de inusitada aparição no mundo de então.
As afirmações de Jesus a respeito de sua relação com o Espírito
Santo e com Deus, o Pai, fazem dele alguém incomparável em termos
de vida, propósito e missão: “a minha comida é fazer a vontade
do meu Pai”, “o Filho não pode fazer nada de si mesmo; só pode fazer
o que vê o Pai fazer, porque o que o Pai faz o Filho também faz”,
“o Espírito do Senhor está sobre mim”, “toda a autoridade me foi
dada, no céu e na terra”, e a surpreendente “eu e o Pai somos um”.
Reduzir a pessoa, a vida e a obra de Jesus às relações da equipe
de vendas com seu gerente, do CEO com seu conselho de administração,
ou do diretor comercial com o desafio das metas do trimestre passa perto da blasfêmia. Transformar Jesus em paradigma
de sucesso profissional e modelo de alta performance no mundo
corporativo é digno de caricaturas do Charlie Hebdo. Acho até
engraçada a qualificação contemporânea de Jesus como padrão de
pedagogia. Ninguém entendia nada do que ele falava. Não fosse
o cuidado de explicar em off algumas parábolas, nem mesmo seus
discípulos mais próximos as teriam compreendido. A Bíblia e Jesus
Cristo estão em outra categoria de literatura. As prateleiras de
autoajuda não suportam seu peso. Mas com as formigas é diferente. A própria Bíblia recomenda
que nelas se preste atenção. O sábio aprende observando as
formigas, diz o texto sagrado. Os sábios William Douglas e Davi
Lago são bons guias na trilha das formigas. Estudaram, refletiram
e registraram de maneira inteligente e clara a sabedoria presente no
formigueiro. Seguiram o exemplo de notáveis como Esopo, Mark
Twain, H.G. Wells, Olavo Bilac e Lygia Fagundes Telles, apenas
para citar uns poucos que antes deles ouviram o conselho do sábio
Salomão: “aprenda com as formigas”. Diligência no trabalho, foco no propósito, proatividade organizada,
inteligência logística para provisão e cultura de consumo
consciente, cooperação e trabalho em equipe, gestão do tempo e
planejamento de ações harmônicas são algumas lições que podem
saltar da atividade autômata das formigas para a ação consciente,
deliberada, aprendida e desenvolvida com disciplina e esforço
pelo bicho homem, cujas capacidades, habilidades e atitudes não
vêm impressas e programadas em chips originais de fábrica. O que
para as formigas é natural, para nós, humanos, é comportamento
aprendido e aperfeiçoado. Aquilo que as formigas fazem porque
geneticamente programadas por Deus em seu ato criador, que
contemplou suas criaturas com a diversidades de suas múltiplas e
infinitas inteligências, para nós, seres humanos, se aproveita quando
fazemos bom uso de nossa liberdade e autonomia. O ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus,
carrega em si a sagrada responsabilidade do protagonismo na
construção de si mesmo e sua história. Tem sobre seus ombros o
divino encargo de contemplar os infinitos horizontes abertos pelo
exercício da criatividade que herdou de Deus, e fazer escolhas de destinos e caminhos. Mas precisa ser humilde, a fim de descer de
sua sublime posição e se colocar em situação de aprender com as
formigas. Quem sabe a antiga sabedoria dos textos sagrados, onde
também se encontra a revelação bíblica, já apontasse o que hoje é
ainda incipiente: o planeta Terra e todos os seus habitantes não são
o armazém dos recursos que nós, humanos, extraímos de maneira
predatória e irresponsável para o nosso exclusivo bem e conforto,
mas a casa, onde todos nós, inclusive nós, humanos, com potencial
de divindade, juntamente com as formigas, somos hóspedes do
Deus Criador.
A relação entre a tradição espiritual judaico-cristã e os guias e
os manuais de autodesenvolvimento e eficácia pessoal e profissional
é tensa e complexa. A respeito da Bíblia, é inegável que, mesmo
quem não a considera texto sagrado e não a adota como revelação
divina que exige resposta de fé, nela encontrará um horizonte infinito
- que não apenas consolida o bom senso expresso nas múltiplas
tradições religiosas e filosóficas como também oferece sabedoria
existencial em termos originalíssimos, próprios do monoteísmo judaico
que vai culminar no inigualável Jesus de Nazaré. Há sempre
o perigo de manipular a Bíblia Sagrada como algo do tipo 48 leis
do poder ou A arte da guerra, mas o risco compensa quando se tem
em vista a milenar sabedoria que tem guiado homens e mulheres
nas noites escuras da alma e nas quadras mais tenebrosas da história
da humanidade. Foi com esse cuidado que William Douglas e Davi
Lago abordaram o texto bíblico: discernindo seu conteúdo de fé
pessoal de sua sabedoria existencial universal. E o fizeram com o
temor e tremor que o Deus do Livro exige daqueles que dele, por
ele e para ele vivem. Minha primeira reação ao receber o surpreendente convite de
William Douglas para prefaciar um livro a respeito da sabedoria
das formigas foi dizer “sim”. Embora sobrecarregado com as atividades
de final de ano, jamais me atreveria a assinar o recibo da insensatez,
com desculpas que evidenciariam que sou mau aluno na
escola das formigas. Obrigado, amigo, pela oportunidade de rever
meus caminhos, olhando-me no espelho das formigas, e pela honra
de cooperar com sua jornada de produção diligente e relevante.
Divirta-se o leitor, com a sabedoria de tantas inteligências citadas
nas páginas escritas pelos inteligentes autores, que condensaram
a inteligência bíblica, e resumiram a inteligência das formigas. Seja
inteligente, aprenda com quem aprendeu. Seja humilde, aprenda
com as formigas.
Ed René Kivitz
Escritor e pastor da Igreja Batista de Água Branca (São Paulo, SP)